MP 936/2020: Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda
Erivelton do Nascimento – OAB/RS 61.255
Fernanda Niagra Schutz – OAB/RS 115.195
Na quinta-feira, dia 02, foi publicada a Medida Provisória nº 936, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia que assola nosso país, com os objetivos de garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais, reduzir o impacto social decorrente das conseqüências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, bem como de preservar o emprego e a renda.
● Benefício Emergencial de Preservação do Emprego
Ainda, institui a criação do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, o qual será pago quando da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou quando da suspensão temporária do contrato de trabalho, devendo o empregador informar ao Ministério da Economia as medidas adotadas no prazo de 10 dias a contar da data da celebração do acordo, sendo a primeira parcela paga pela União no prazo de 30 dias a contar da data desta celebração. Registre-se que tal Benefício será pago ao empregado independentemente do cumprimento de qualquer período aquisitivo, tempo de vínculo empregatício ou de números de salários recebidos. Por outro lado, o Benefício não será devido ao empregado que esteja ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandado eletivo, ou ainda, em gozo de benefício de prestação continuada (com ressalva do disposto no art. 124 da Lei nº 8.213/1991) e aquele que esteja utilizando-se de bolsa qualificação profissional de que trata a Lei nº 7.998/90, em seu art. 2º-A.
Para melhor elucidar as medidas trazidas pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, ambas serão tratadas pontualmente a seguir.
● Redução Proporcional de Jornada de Trabalho e de Salário
Quanto à redução proporcional de jornada de trabalhoe de salário resta estabelecido que o empregador poderá, por meio de acordo individual escrito, ajustar com os empregados a redução proporcional da jornada de trabalho e dos seus salários, pelo prazo de até 90 dias, desde que observada a preservação do valor do salário-hora de trabalho, o qual será encaminhado ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos. A redução da jornada de trabalho e de salário, será realizada exclusivamente nos percentuais de 25%, 50%, ou 70%.
A fração de salário que o funcionário deixará de receber será substituída por um Benefício Emergencial, o qual terá como base o cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, sendo devido: a) no percentual de 25% para a redução da jornada e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento; b) no percentual de 50% para a redução de jornada e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento; c) no percentual de 70% para a redução de jornada e de salário superior a setenta por cento. Em casos onde a redução de jornada e de salário seja inferior a vinte e cinco por cento não haverá recebimento do Benefício.
● Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho
No que diz respeito à suspensão temporária do contrato de trabalho é permitido ao empregador acordá-la com seus empregados, pelo prazo máximo de 60 dias, o qual poderá ser dividido em dois períodos de 30 dias sendo que o valor do benefício nesta hipótese é equivalente a 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado faria jus. Resta estabelecido que tal medida será pactuada através de acordo individual escrito entre empregador e empregado, o qual será encaminhado ao empregado com no mínimo dois dias corridos de antecedência. Ainda, é garantido ao empregado que, durante o período de suspensão temporária, faça jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador, bem como estará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo. Em casos de suspensão de contrato de trabalho dos empregados das empresas que auferiram, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00, é obrigatório o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% do salário do empregado, durante o período de suspensão pactuado, sendo que o valor do benefício nesta hipótese é equivalente e 70% do seguro-desemprego.
No que atine ao período temporário de suspensão do contrato de trabalho, se o empregado mantiver, ainda que parcialmente, as atividades de trabalho, seja por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho á distância, ficará descaracterizada dita suspensão, estando o empregador sujeito ao pagamento imediato da remuneração e encargos sociais referentes a todo o período, bem como às penalidades previstas na legislação em vigor e às sanções previstas em convenção ou acordo coletivo.
● Do restabelecimento do contrato de trabalho
Em ambas as hipóteses há previsão do restabelecimento do contrato de trabalho, no prazo de dois dias corridos, a contar da cessação do estado de calamidade pública; da data estabelecida no acordo individual como termo do período de suspensão ou redução pactuado ou, ainda, da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre sua decisão de antecipar o fim do período de redução ou suspensão anteriormente pactuado.
● Da implementação das medidas
Atente-se ao fato de que tais medidas somente serão implementadas por meio de acordo individual ou negociação coletiva aos empregados que recebam salário igual ou menor que R$ 3.135,00, ou ainda, aos empregados que possuem diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 12.202,12). Para os empregados que não se enquadram nos requisitos anteriores, tais medidas somente poderão ser estabelecidas através de convenção ou acordo coletivo, com exceção da medida que prevê a redução de jornada de trabalho e de salário de 25%. Quando da realização de acordo individual acerca da redução ou suspensão temporária do contrato de trabalho, o sindicato laboral respectivo deverá ser comunicado no prazo de no máximo 10 dias a contar da data de celebração. A redução da jornada e do salário podem ser acordados em percentuais diferentes do estabelecido, mas somente por meio de negociação ou acordo coletivo.
● Da ajuda compensatória mensal
Há previsão de ajuda compensatória mensal por parte do empregador em decorrência da redução ou suspensão do contrato de trabalho, a qual poderá ser acumulada com o Benefício Emergencial, devendo o valor ser estipulado no acordo individual ou na negociação coletiva pactuada, sobre o qual não incide INSS, FGTS e demais tributos sobre a folha. Nos casos de redução de salário, se houver pagamento de ajuda compensatória mensal, esta não integra o salário devido ao empregado.
● Garantia provisória do emprego
Além disso, reconheceu-se a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício de Preservação do Empregado e da Renda, seja em razão da redução ou da suspensão do contrato de trabalho, durante o período acordado entre ambos, e após o restabelecimento da jornada de trabalho e salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, pelo mesmo período acordado para as medidas, sob pena de indenização, exceto em caso de justa causa do empregado ou dispensa a pedido.
● Da adoção sucessiva das medidas e da aplicação aos aprendizes
É permitida a adoção de ambas as medidas de forma sucessiva, desde que não ultrapassem o período de 90 dias, sendo estas aplicáveis também aos aprendizes.
Por fim, permite-se suscitar um debate, acerca da constitucionalidade dessa Medida Provisória no que atine à redução proporcional de jornada de trabalho e de salário por meio de acordo escrito individual, tendo em vista que contraria dispositivo da Constituição Federal, especificamente o art. 7º, inciso VI, o qual estabelece como um direito do trabalhar a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.
Como se vê, o texto da MP nº 936/2020 vem em sentido oposto do que o previsto constitucionalmente, pois permite que trabalhadores negociem individualmente com o empregador. Em um primeiro momento, se faz necessário esclarecer que a Constituição Federal ao estabelecer o princípio da irredutibilidade salarial, possuía como objetivo evitar reduções de salários efetuadas unilateralmente e de maneira impositiva, razão pela qual estipula expressamente que tal medida deve ser adotada mediante negociação ou acordo coletivo.
A alteração realizada no contrato de trabalho, no que atine à redução da carga horária e, por consequência, do salário, é vista como medida extremamente gravosa, a qual pode ser interpretada como uma lesão ao pacto trabalhista, tendo em vista o cristalino prejuízo em desfavor do empregado, considerando a redução de sua verba alimentar. Tal medida, a qual resta permitida por ora, em razão do estado de calamidade ao qual se busca enfrentar, em outros tempos, poderia ser declarada nula, tendo em vista a ausência da participação do Sindicato na negociação. Por cautela, cumpre ressaltar que nem mesmo neste momento calamitoso, no qual vivemos, se está livre de futuras eventuais reclamatórias trabalhistas em razão das medidas ora permitidas, as quais poderão ser amplamente discutidas em momento posterior, o que inclusive já foi acenado pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e já está sendo discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta essa tarde pelo Partido Rede Solidariedade, sob a Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowsky, do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, a Medida Provisória recém publicada é o instrumento legal apto para aplicação neste momento, estando plenamente permitida sua utilização, ficando a critério de cada empresa a decisão de optar ou não pelas medidas nela trazidas, devendo buscar a melhor forma de gerir seus contratos de trabalho e, concomitantemente, manter a saúde financeira do próprio negócio frente à crise econômica instalada, cabendo lembrar que a Medida Provisória 927 continua vigorando, mantendo as alternativas de férias antecipadas (individuais ou coletivas) e banco de horas negativo.
