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A ÉPOCA DE OURO DA TELENOVELA

Eu não vejo novelas. Não se trata de preconceito, mas uma simples atitude auto protetiva. Protejo-me da sensação de ser escravo, pois uma novela boa acaba escravizando a gente. Falo isso, porque desconfio que a novela Pantanal será diferenciada, com grandes possibilidades de escravizar quem assista a, pelo menos, um capítulo.

Por uma questão de tempo, eu não tinha o hábito de ver novelas, pois no horário nobre de transmissão da TV Globo eu exercia a nobre missão de lecionar. Porém, um certo dia vi um capítulo da novela O Bem Amado que ia ao ar a partir das 22 horas. Paulo Gracindo, nesta obra de Dias Gomes, superou-se na missão de caricaturar muitos políticos brasileiros. E tinha o Zeca Diabo, interpretado magistralmente por Lima Duarte.

Além de arrebatado pela belezura e a sensualidade de Sandra Bréa, apaixonei-me pelos discursos inflamados e verborrágicos do prefeito Odorico Paraguaçu que encarnava com maestria o político demagogo e corrupto que, como a saúva, ainda vai acabar com o Brasil. Falo na saúva porque Saint-Hilaire, em 1800, já disse que “se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil”. Como sabem a saúva é uma formiga cortadeira que acaba com tudo que encontra pela frente. Que nem certos políticos…

E para inaugurar um cemitério, a grande obra de seu governo, o prefeito Paraguaçu importa um dos maiores matadores do nordeste, o Zeca Diabo, personagem que fez Lima Duarte subir muitos degraus na escada da fama. Mas, como lembram, depois de passar mais de dia confessando seus pecados o assassino sanguinário e temido converte-se e, mais uma vez, Odorico não consegue o defunto tão esperado para coroar a sua gestão.

Assim como Zeca Diabo fez o seu mea-culpa, quero confessar um pequeno pecado, que, em minha não jurídica opinião, já prescreveu. E, se o STF consegue anular o julgamento do Lula, imagino que a minha culpa nem seria levada a sério. Pois, para não perder os capítulos da Bem Amado, comecei a largar os meus alunos 15 minutos antes. E, feito louco, corria para casa ou para a televisão mais próxima para acompanhar o drama do prefeito de Sucupira.

Depois veio a última novela que eu assisti: Gabriela, Cravo e Canela que deu vida, cores e caras para a obra de Jorge Amado. O nordeste, massacrado pela seca e pela politicalha, encheu a tela da televisão no horário das 10, onde coronéis poderosos e mulheres sensuais desnudaram o subdesenvolvimento econômico, político e social de uma época que se perpetua no tempo e nos assombra até os dias de hoje. Mudaram os políticos, agora são outros nomes, caras diferentes, mas a história é a mesma. Um olhar mais crítico perceberá que os coronéis estão aí com seus jagunços, seu populismo e suas milícias e suas trambicagens.

Nesta novela, a obra de Jorge Amado ganhou vida representada por uma sociedade patriarcal e autoritária. Não dá para esquecer os personagens Nacib e a Gabriela que explodiu o imaginário de pessoas de bom gosto com interpretações loucamente sensuais. Nesta novela Paulo Gracindo manteve o nível primoroso de suas interpretações e, particularmente, diverti-me a valer com as cenas em que Tonico Bastos pintava e bordava com suas peripécias extra conjugais, reinando absoluto no Bataclan. Note-se: nestas alturas do campeonato já havia o recurso do vídeo cassete e eu não precisava matar aula.

Já li que as novelas, mais que um entretenimento, são mecanismos para alienar o respeitável público. Mas, não podemos esquecer que elas, assim como os filmes, exercem um papel decisivo quando abordam questões sociais, polêmicas e tabus que permeiam nossa sociedade. Muitas levam a reflexões extremamente importantes. Mas, prefiro não vê-las…

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