Mais estarrecedor do que o desvio de 8 milhões na Prefeitura de São Pedro de Alcântara, noticiado esta semana, é o funcionário acusado do rombo ter guarida legal para permanecer em liberdade. É um deboche qualificado e uma total falta de respeito para com a população daquela pequena cidade. Isso prova que a legislação no Brasil foi feita sob medida para beneficiar a corrupção e a impunidade.
Como todo o canalha que se prese ele tem um bom advogado, pois sempre há os que não consideram a existência de uma fronteira ética e, se a enxergam, acham que ela tem uma elasticidade ilimitada. Não estou dizendo que os criminosos, mesmo os do quilate do funcionário da prefeitura de São Pedro de Alcântara, não tenham o direito a serem defendidos. Mesmo um indivíduo que não se constranja em roubar sua própria comunidade, pessoas que o viram nascer, crescer e que lhe proporcionaram os benefícios do convívio social que só as pequenas cidades oferecem, tem o direito a um advogado. Porém, há crimes que deveriam cair na mesa de um defensor público, esse sim, sem direito de escolha, pois assim determina a lei.
Lembro que contavam que o dr Muller, nascido e criado em nossa cidade e que advogou muitos anos por aqui, teria dito que o advogado, ao chegar no fórum, deixava no cabide, junto com o chapéu, a sua consciência. Eu era guri, mas já gostando e entendendo dos causos, ouvi que ele pegou uma causa intrincada de uma viúva. Certo dia, ele estava sentado na calçada do bar do Ivo, frente à praça e a viúva descia a escada. Vendo-a, bem ao seu estilo, gritou: “Achei o seu furo, dona Fulana. Achei o seu furo!” Evidente, todos entenderam que, apesar de seu advogadez castiço e sofisticado, ele tinha encontrado a solução para o problema da viúva. Mas, contam, a pobre senhora encabulou até porque, era público e notório, o seu furo era de uso exclusivo do finado.
Independentemente do tamanho do desfalque, mesmo que seja um roubo à mão desarmada, o que se estranha é a facilidade com que os recursos públicos, que sempre são escassos, eram transferidos da conta da prefeitura para a conta bancária do safado. Ninguém, no banco, desconfiou da maracutaia. Isso, de certa forma, empana o brilho do prefeito, de seu vice, dos demais funcionários da prefeitura e, também, da própria Câmara de Vereadores. Não dá para acreditar que todos fossem tão ingênuos a ponto de serem considerados idiotas!
Fica no ar um cheiro pestilento de ingenuidade, conivência ou cumplicidade. Estranha, também, a prefeitura não ter um sistema, que é corriqueiro em qualquer empresa, para controle da movimentação financeira.
Também chama a atenção o fato que, durante um ano, ninguém da administração tenha dado uma “passada de olhos” no extrato da conta corrente da Prefeitura. A coisa era tão escancarada que nem precisava de uma auditoria para constatar que, no mínimo, as transferências eram suspeitas. Nesse período, da mesma forma, ninguém da comunidade, os amigos de churrasco, os companheiros de pescaria, a turma do futebol, ninguém tenha percebido os sinais exteriores de riqueza do ladrãozinho, pois, quando o dinheiro entra fácil, saí do mesmo jeito e, isso, não tem como esconder ou sonegar.
A lição que fica é que, por menor que seja o município, por mais que se conheçam os membros da comunidade, os controles não podem ser, meramente, visuais. Cabe perguntar aos vereadores de São Pedro de Alcântara qual a parte de suas atribuições fiscalizatórias eles não conheciam. Seriam cúmplices? Ou, incompetentes e alienados, eleitos para dar nome para ruas?